Vídeos amadores de soldados alemães veiculados recentemente numa série de programas pela BBC oferecem um olhar renovado à maior tragédia do século passado, a Segunda Guerra Mundial. Neles se vê, por exemplo, o passeio que as tropas alemãs deram em sua campanha rumo à França. Eram soldados altamente treinados e doentiamente patrióticos, com técnicas e armas inovadoras. Enfrentaram, na viagem a Paris, divisões francesas em que os combatentes eram, em número expressivo, desmotivados e destreinados homens recrutados pela França em colônias como o Marrocos. Os filmes mostram, rendidos, soldados da França caminhando cabisbaixos não com capacete, mas com turbantes, cofiando barbas desgrenhadas, numa quase comédia em que uma parte guerreava e a outra brincava de guerrear.
Há também muito material sobre uma campanha bem mais complicada para a Alemanha, a da Rússia. A dose de sangue aumenta consideravelmente. As tropas vão seguindo rumo a Moscou e, em seu avanço a princípio tranquilo, é seguida de esquadrões paramilitares que vão matando os judeus encontrados pelo longo caminho. Uma cena conta tudo. Um caminhão chega com sua carga humana, encaminhada para uma trincheira. São civis, não têm armas e é impossível que oponham resistência. São fuzilados nas covas que tinham sido cavadas por outras pessoas na mesma situação, sob a indiferença dos circunstantes. Morriam porque eram judeus. Não fossem a neve e as temperaturas de até menos 50 graus, Moscou talvez caísse como Paris.
São imagens vitais num momento em que um horror quase semelhante ao Holocausto ameaça se propagar pelo mundo: a negação histórica do próprio Holocausto. Os últimos sobreviventes do maior genocídio que a humanidade conheceu vão morrendo: já se passaram 65 anos desde o final da guerra, afinal. E seu testemunho corre o risco de ser mitigado por pseudo-historiadores e antissemitas de natureza variada que tentam diminuir o que não pode ser diminuído. Um dos casos mais notáveis é o bispo católico Richard Williamson, excomungado pela negação do Holocausto e reabilitado por Bento XVI há um ano. Considerado o desconforto que existe em torno da atitude da Igreja Católica de duvidosa coragem durante o massacre dos judeus, a reabilitação não poderia ser mais inoportuna e mais inconveniente.
Hitler, muito antes de chegar ao poder em 1933, já publicara seu ódio sem limites contra os judeus em Mein Kampf, lançado em meados dos anos 20. Ele repetidamente afirma a intenção de exterminar os judeus. No poder, foi o que fez. "Ninguém anunciou tanto suas intenções como eu", disse Hitler. É verdade. Não houve surpresa no assassinato em massa que promoveu. Em 1943, numa conversa secreta com jornalistas alemães selecionados, o chefe nazista Goebbels afirmou. "Em 1933, um premiê francês deveria ter dito (e eu se estivesse em seu lugar o teria dito): 'O novo chanceler é o homem que escreveu Mein Kampf. Esse homem não pode ser tolerado em nossas redondezas'."
Foi tolerado não apenas pelos franceses, é certo, e promoveu a matança que prometera até o último segundo em que teve poder de ceifar vidas. O mundo já cometeu um erro de perspectiva monstruoso ao deixar o caminho livre para Hitler. Negar ou mesmo atenuar o que a Alemanha nazista fez aos judeus seria, agora, um outro crime absurdo.
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI120448-15230,00-O+RISCO+DE+UM+NOVO+HOLOCAUSTO.html
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